Radiologia Intervencionista com Dr João Felipe de Brito Galvão

A Radiologia Intervencionista ainda é um mistério para a maioria dos veterinários. Pouco adotada e prematura no Brasil, a sua prática está nas mãos de um pequeno grupo de veterinários. Dentre eles o brasileiro Dr João Felipe de Brito Galvão, especialista em Medicina Interna no VCA Arboretum View Animal Hospital, no estado de Illinois, EUA.

Na entrevista a seguir, concedida com exclusividade ao Blog do CRV Imagem, Dr João explica em detalhes, a partir de casos práticos com animais de pequeno porte, os benefícios da técnica que une a radiologia à endoscopia para oferecer novas soluções a antigos problemas. E o melhor de tudo, sem necessidade de corte, incisão ou sutura.  

 

Dr João, muito obrigado por nos conceder essa entrevista. Ultimamente você tem dedicado atenção especial à radiologia intervencionista. Do que se trata?

Radiologia intervencionista é o uso de imagens para guiar diagnóstico e tratamento. Normalmente, usam-se radiologia e endoscopia ao mesmo tempo, dependendo do órgão em questão.

 

Pode nos dar exemplos práticos com a rotina de animais de pequeno porte?

Por exemplo, usamos radiologia intervencionista para tratar obstrução ureteral em cães via cistoscopia e fluoroscopia. A fluoroscopia nos auxilia com a visualização geral do ureter e pelve renal, e com a localização da obstrução. Já a cistoscopia nos auxilia na cateterização do ureter, na passagem de fio guia e a fazer o estudo contrastado do ureter, que consiste em colocar contraste no ureter através de cateter ureteral e visualizar o contraste através da fluoroscopia.

Hoje, tratamos obstrução ureteral em cães sem precisar fazer qualquer incisão no animal. Em fêmeas, utilizamos o cistoscópio rígido para visualização da entrada do ureter. Assim que visualizado, o ureter é cateterizado com um fio guia. No momento em que se passa com o fio guia, conseguimos visualizar o ureter com fluoroscópio também. Depois de passado o fio guia, passa-se através dele um cateter ureteral. De novo, o fluoroscópio é utilizado para visualizar o cateter ureteral no ureter. Após passagem do cateter ureteral até o local da obstrução, retira-se o fio guia.

Estudo com contraste é feito através do cateter ureteral e visualizado com o fluoroscópio. Isso ajuda a mover o cálculo obstrutivo de volta para a pelve ou movê-lo o suficiente para passar o fio guia através do cálculo até a pelve renal. A presença de contraste no ureter e pelve renal ajuda na sua visualização com o fluoroscópio. Após a passagem novamente do fio guia por dentro do cateter ureteral até a pelve renal, o cateter ureteral é avançado pela obstrução até a pelve renal. Cateteres ureterais possuem marcações a cada centímetro. Quando o cateter ureteral é removido, as marcações são observadas cuidadosamente para que se veja o comprimento do ureter. Então, um stent ureteral —  2 a 4 cm mais comprido que o ureter — é utilizado. Isso contribui para que o stent duplo jota enrosque na pelve renal e bexiga. O stent ureteral é passado pelo fio guia, que continua na pelve renal até que se torne um pouco enroscado na pelve renal. Um outro cateter é passado por trás do stent ureteral para que ele possa sair completamente do cistoscópio. Por último, o fio guia é removido. Tanto o fluoroscópio quanto o cistoscópio são necessários para visualizar todo esse procedimento.

 

Como essas técnicas têm sido aplicadas nos hospitais norte-americanos? Quais os gargalos atuais para uma implantação mais ampla desses procedimentos?

Hoje, existe um grupo seleto de veterinários que utiliza a radiologia intervencionista. Eles estão espalhados pelos grandes centros e algumas universidades. Sinto que ainda estamos no começo e que, no futuro, haverá muitos outros procedimentos. Atualmente, temos um grupo de discussão sobre os melhores procedimentos a serem utilizados em casos difíceis, que ainda suscitam dúvidas sobre como devem ser conduzidos.

O maior gargalo ainda é a falta de informação, já que estes procedimentos são relativamente novos. Essa é a nossa grande frustração, porque às vezes ficamos sabendo de pacientes que poderiam ter sido beneficiados por procedimentos minimamente invasivos com o uso de radiologia intervencionista.

 

Como você vê a introdução e o crescimento desse mercado no Brasil?

Acho que existe um mercado no Brasil enorme para esses procedimentos, principalmente agora em que não há ninguém atuando nele. Para que o mercado se torne realidade, veterinários precisarão se dedicar a aprender os procedimentos, de preferência com pessoas que já o fazem, para então introduzi-los no Brasil. Acho que a disseminação da informação será extremamente importante para que as pessoas saibam o que há disponível e quem está fazendo esses procedimentos.

 

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Você poderia nos contar um caso interessante recente em que o domínio dessas ferramentas mudaram completamente a sua abordagem e o resultado obtido?

Atendemos o Tommy, um pastor alemão de 12 anos, macho, castrado. Ele foi levado ao hospital por obstrução uretral devido a uma massa no trígono da bexiga, suspeita de carcinoma de células transicionais. A ultrassonografia mostrou que ele também tinha uma obstrução ureteral esquerda por causa da massa no trígono. Devido à obstrução ureteral e uretral, o prognóstico do Tommy era muito ruim.

Cirurgia não era uma opção, já que carcinoma de células transicionais é difuso pela bexiga, e o envolvimento de obstrução ureteral piorava muito a situação. Uma vez que não era possível colocar um stent ureteral através da bexiga, resolvemos colocar o stent de forma percutânea através do rim. Com o uso do ultrassom, cateterizamos a pelve renal com uma agulha de 18G. Injetamos contraste iodado através da agulha, após retirar um pouco de urina da pelve renal. Então, passamos um fio guia pela agulha. Utilizamos o fluoroscópio para visualizar o ureter. Depois, passamos um cateter ureteral rígido a fim de facilitar a passagem do fio guia pela massa no trígono. Já na bexiga, visualizando com o fluoroscópio, resgatamos o fio guia com um laço.

Depois de ter acesso com o fio guia na uretra e rim, passamos um cateter ureteral de 7Fr próprio para a passagem de um stent ureteral. Visualizando com o fluoroscópio, passamos um segundo fio guia por dentro do cateter ureteral. Depois de enrolado na pelve renal, o cateter ureteral foi retirado e recolocado. Desta vez, ele foi colocado através do segundo fio guia, que estava enrolado na pelve renal. Depois de recolocá-lo, passamos o stent ureteral através do segundo fio guia, por dentro do cateter ureteral. Depois de colocado o stent ureteral, um stent uretral foi colocado para aliviar a obstrução uretral.

Tommy ficou bem por 3 meses até que a massa começou a obstruir o reto e os proprietários optaram por eutanásia. O Tommy é um bom exemplo de um caso em que não haveria chance de vida se não fossem novas formas de lidar com problemas. O melhor é que tudo foi feito sem um corte, incisão ou sutura.

 

Abaixo, imagens do tratamento aplicado no Tommy: 

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[1] Imagem ultrassonográfica do rim esquerdo em corte transversal, mostrando pielectasia de 9.5 mm. Piectasia é devido à obstrução da massa no trígono.

 

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[2] Imagem ultrassonográfica do rim esquerdo em corte longitudinal mostrando pielectasia.
Piectasia é devido à obstrução da massa no trígono.

 

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[3] Imagem fluoroscópica mostrando a cateterização da pelve renal com uma agulha de 22G. A cateterização inicial é feita com o uso do ultrassom. Quando dentro da pelve renal, urina é retirada e contraste iodado é colocado na pelve renal. Assim, é possível passar um fio guia por dentro da agulha. Fluoroscopia é utilizada para canular o ureter.

 

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[4] Imagem ultrassonográfica da bexiga mostrando a massa no trígono medindo 1.98 cm x 2.74 cm.

 

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[5] Radiografia abdominal ventrodorsal e lateral mostrando stent no ureter esquerdo e stent na uretra.

 

 

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