A Dor de Perder um Pet é Diferente Quando se é Veterinário?
2 de novembro de 2017 |A morte do pet, seja ela anunciada ou inesperada, é sempre um golpe certeiro. Embora acostumados a lidar com a perda em suas clínicas, a dor bate igual também para os veterinários.
Hoje, convidamos Dra Ilka Gonçalves, veterinária mestre em Ciência Animal pela UFBa, para abrir a nossa série de entrevistas sobre a tanatologia na veterinária. Nas próximas semanas, falaremos sobre o ato de dar e receber notícias ruins, como lidar com o desaparecimento ou perda dos pets, a síndrome da compaixão, e o enlutamento que aplaca todos nós, médicos e proprietários.
Dra Ilka, no início de outubro, você perdeu Raul, seu gato persa de 13 anos. Em um post emocionado, você relembra os bons e maus momentos vividos juntos com ele, e até cita o Raul como principal inspiração para abrir o seu negócio em Salvador, a Felina Veterinária. Como têm sido os últimos dias?
Eu estou sentindo uma dor. O peito dói, sinto um vazio. A grande verdade é que um pedaço da gente vai embora. Um pedaço difícil de ser recuperado. A terapia tem me ajudado muito nas últimas semanas.
É diferente perder um animal quando se é veterinária?
Eu acho que não. Há pacientes que se vão tão inesperadamente cuja perda é muito parecida com a do nosso próprio filho de quatro patas. A gente sente demais. Sente-se até um pouco culpada, mas depois acaba aceitando, e tenta aprender que nem sempre se ganha, como nem sempre se perde. Não somos Deus.
E tem de atravessar essas perdas de alguma maneira…
Sim. Logo tem de estar recuperada para atender outro paciente, com outras demandas, e outros tutores cheios de medos e inseguranças. Você tem de parecer uma rocha, o que é bem difícil. Uma pena o acompanhamento psicológico ainda não ser uma realidade para todos nós.
E você consegue ser essa rocha o tempo todo?
Às vezes dá vontade de largar tudo, deixar de ser veterinária. Mas, de repente, você lembra que muitos outros precisam de você, e aí a força pra recomeçar volta.
Dra Ilka, e tem como aliviar a dor da perda?
Acho que nada alivia essa dor e cada um se recupera no seu tempo. Ainda é muito estranho pra mim não ter Raul na minha cama, não tê-lo deitado no banheiro enquanto tomo banho. Ainda não tive coragem de cozinhar e não o ver no banquinho me olhando. Tive que esconder o banco, porque não consigo olhar pra ele e não sentir vontade de chorar. É estranho estar no computador sem que ele não passe pela tela, atrapalhando tudo. Tudo é estranho. Até pendurar a roupa no varal sem saber que, quando voltar pro quarto, ele estará lá te esperando.
Estou triste, isolada, sem trabalhar, sem trocar energia. Não gosto de estar assim. Mas sei que vai passar. Temos de pensar que foi eterno enquanto durou. Raul é pra sempre. E sou grata por ter vivido o amor que ele tinha pra me dar.
E, Dra Ilka, o que você recomenda para quem está vivendo hoje um momento difícil, com o animal doente?
Se temos um animal ou um ente querido doente, temos de fer muita fé de que tudo vai dar certo. É essa fé que te leva a fazer tudo, o possível e o impossível para encontrar a cura. Muitas vezes, eles ficam bons e permanecem do nosso lado por muito tempo. Em outras vezes, a cura é descansar.
Porém, temos de dar chance para que o animal se recupere. E não pensar na eutanásia precocemente. Sempre penso: “se fossem meus pais ou irmãos, o que faria?”. Tive a graça de receber milagres para paciente e parentes. E acredito também na boa medicina e na força do pensamento. Tudo isso junto pode salvar vidas.
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