Dr Ragnar Schamall: “Os Exames de Imagem nos tiraram da zona de conforto”

A evolução e posterior democratização dos exames de imagem mudou o mercado da Medicina Veterinária em diversos âmbitos. Ferramentas de diagnóstico mais poderosas ajudaram veterinários a enxergar o que antes não conseguiam ver, e “novas” doenças foram descobertas. Desafiados por um cenário técnico mais complexo, mas não menos estimulante, veterinários foram retirados da zona de conforto e tiveram de buscar mais conhecimento e especialização. E, na outra ponta, com mais acesso a informação, proprietários tornaram-se exigentes e seletivos.

Para nos contar em detalhes como esta nova dinâmica da Medicina Veterinária funciona na prática, convidamos o neurologista veterinário Dr Ragnar Schamall, parceiro do CRV Imagem.

 

Olá, Dr Ragnar, obrigado por aceitar o nosso convite. A Neurologia está em plena expansão, com mais profissionais adotando a especialização. Que formação e trajetória profissional um bom neurologista deve ter?

Creio que é importante iniciar com uma formação geral, pois a especialização precoce não me parece ser uma boa opção, pois tende a limitar o profissional. A partir daí, estudos e atualizações em Neurologia, participação em congressos, mesas redondas e cursos específicos, juntamente com um contínuo e intenso estudo dos principais livros e trabalhos publicados tendem a naturalmente conduzir o profissional no caminho de uma especialização sólida e eficaz.

 

É possível delimitar a área de atuação do neurocirurgião e do fisioterapeuta em casos de pacientes com dificuldade de locomoção?

Minha opinião a respeito deste delicado tema é muito simples. O diagnóstico correto do problema de locomoção é o objetivo primário a ser perseguido. Excluir corretamente os diversos diagnósticos diferenciais e indicar os exames complementares necessários à formulação do diagnóstico definitivo é função de todos os médicos veterinários, especialistas ou não. A escolha de quem desempenhará este papel é do proprietário e do clínico que o acompanha. O que não podemos aceitar é tratamentos, por melhor que sejam, prescritos e executados baseado em suspeitas não fundamentadas por evidências. Isto leva à perda de tempo, dinheiro e saúde do animal. Diagnóstico feito, a escolha do tipo de tratamento e conduta a serem realizados, mais uma vez, está nas mãos dos proprietários.

 

Qual a importância, na sua prática clínica e cirúrgica, de um bom diagnóstico por imagem? E qual o papel do radiologista nesses casos?

Pratico a Neurologia desde o tempo que fazer uma simples mielografia era extremamente difícil do ponto de vista logístico. Por isso, posso dizer com bom conhecimento de causa que o diagnóstico de imagem de qualidade e fácil acesso é imprescindível para a correta condução de uma boa parte dos casos neurológicos. Radiografias, mielografias, tomografias e ressonâncias são parte integrante da avaliação de muitos casos e ferramentas de diagnóstico muito importante, principalmente quando utilizadas com sabedoria.

A figura do radiologista deve ser sinérgica à do especialista. Pessoalmente, discuto muitos resultados de exames com meus colegas radiologistas, promovendo ganhos para os dois lados. Da mesma forma, quando preciso de exames adaptados ou com necessidades especiais, sempre me comunico previamente para garantir um procedimento que me forneça a melhor informação possível. Além disso, facilito o trabalho dos meus colegas da imagem, aumento a satisfação dos proprietários e diminuo a possibilidade de reintervenção ou resultados falhos.

 

Os exames de imagem oferecem, hoje, diagnósticos mais frequentes e precoces. Qual a influência deste progresso na sua rotina e no tratamento e qualidade de vida dos pacientes?

Isto pode ser respondido com duas visões. Se por um lado, descobrir um problema precocemente pode significar salvar a vida de um animal que estaria condenado; por outro, cria situações novas. Por exemplo, o que fazer com um animal que tem um tumor cerebral de 0,5 cm de diâmetro, em uma área de difícil acesso e cujo único sinal clínico é convulsão? Se por um lado a intervenção precoce pode salvar sua vida; por outro, ela demanda por um serviço mais especializado, com menor amplitude para erros. O que quero dizer é que a incidência dos casos em que a nossa capacidade técnica é colocada à prova aumentou muito. Operar uma herniação discal crônica, na qual o animal apenas tem dor sem que isto provoque piora da sua condição neurológica, é diferente de operar um animal que já está paralisado.

O mesmo pode ser dito com relação à necessidade de buscar mais diagnósticos diferenciais para casos que antes não podiam ser avaliados. Assim, temos encontrado mais casos de acidentes vasculares, cistos quadrigeminais, hidrocefalias assintomáticas / ventriculomegalias, epilepsias criptogênicas etc. O que antes era uma suspeita, passa a ser uma certeza e aí nos perguntamos qual a real influência daquelas imagens no quadro clínico do animal. Cria-se portanto uma massa de informações que têm que ser analisada de forma mais criteriosa, para evitar atribuir a uma imagem inocente a causa de um sinal clínico.

Sempre cito o fato de que, logo após o advento da radiografia digital, quase todos os animais eram diagnosticados com doença bronquial crônica. Obviamente, isto refletia apenas o fato que, por ser uma imagem muito superior ao método analógico, enxergávamos os brônquios de forma mais acentuada. Após alguns meses, todos os radiologistas estavam acostumados a filtrar estas informações. Junto com qualquer inovação tecnológica, vem uma quantidade enorme de novos conhecimentos que tem que ser aprendida. Sempre com uma boa dose de bom senso associada.

 

E os tratamentos também tiveram de ser aperfeiçoados.

Sim! Tiveram de ser melhorados, pois lidamos, como falei, com “novas” doenças. Isto nos tirou da zona de conforto e demandou mais cursos e mais estudo.

Qual o efeito para o paciente? Sem dúvida, melhorou muito o seu conforto e qualidade da atenção / tratamento recebido. E seus proprietários também estão cada vez mais satisfeitos por poder tratar seus animais da forma que merecem. E, interessante, os próprios donos fazem sua pesquisa particular na Internet, tornando-se muito mais fáceis de se lidar, pois entendem o que você fala e aceitam as novas modalidades (mais do que isso, buscam por elas).

Particularmente, estou presenciando uma fase muito gratificante e interessante da minha vida profissional. E agradeço àqueles que investiram neste campo e o fizeram virar realidade.

Ainda espero pelo tempo em que poderei solicitar uma ressonância magnética para avaliação dos meus pacientes… Que ela venha logo!

 

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